O pensamento abstrato emocional

As percepções pessoais e subjetivas dos eventos diários são expressadas em pensamentos ligados às experiências e às emoções vivenciadas pelo indivíduo nestes momentos, e são influenciadas pelo meio ambiente natural e social, e determinados pela carga genética individual e pela própria biologia.
As ligações entre os pensamentos e as emoções são intercâmbios de impulsos elétricos entre as células nervosas no cérebro, mais precisamente entre a amídala e córtex cerebral frontal, onde “residem” os sentimentos relacionados com os estados emocionais e comportamentais de uma pessoa. A comunicação entre estas partes no cérebro existe unicamente na espécie humana, os outros animais não podem pensar para ultrapassar os seus instintos.
A espécie humana é originariamente um produto da natureza selvagem, permeada por impulsos animais primitivos de combate e lutas por territórios, e é o resultado da necessidade premente da adaptação biológica indispensável para evoluir e assim sobreviver, alimentar-se, e não perecer.
Mas a chave do segredo da sobrevivência da nossa espécie em evolução foi a adaptabilidade social dos humanos que assegurou uma vida em grupos e hierarquias, principalmente por incentivar a transmissão do conhecimento adquirido e acumulado por este grupo para seus associados e descendentes. A sociabilidade é uma técnica bem eficaz para a sobrevivência, que funciona em prol da comunidade, produzindo estratégias eficazes de alimentação e de defesa .
Os grupos humanos que mais valorizaram estas características formaram, ao relacionar-se, uma seleção genética direcionada para conservar e prosseguir acumulando estas e outras ideias recém-adquiridas.
Ao processar grandes quantidades de informação a respeito deles próprios e de seu grupo, os humanos então começaram a sentir coisas novas: surge a consciência moral, o conceito de alma, de amor, do bem e do mal. Estes novos sentimentos foram passados para as novas gerações e resistiu ao tempo, pois a sabedoria adquirida nos ensinou a aceitarmos a nossa intuição sobre a importância deles.
O que pensamos sobre as emoções é responsável pelo surgimento de uma moral social, nos tempos quando os agrupamentos ficaram mais populosos e foi necessário conviver com cada vez mais pessoas estranhas, e foi posteriormente percebida em conjunto com a moral religiosa porque as suas origens estiveram, por muito tempo, ligadas entre si.
Somente quando foi efetiva a separação das leis da moral social (crimes contra a sociedade) e a moral religiosa (heresias e sacrilégios) foi possível a todos racionalizar sobre as outras sociedades estrangeiras e sobre os outros indivíduos com diferentes realidades morais e religiosas.
Tudo o que sabemos chega ao nosso cérebro através do que vemos, tocamos, ouvimos etc. As experiências que os nossos sentidos nos transmitem continuamente sobre o mundo em que vivemos é um tipo de sentir unicamente humano, que se confunde com a sensação de sermos nós mesmos.
Pensamos sobre o que somos por causa do funcionamento destes sentidos combinados no interior do cérebro humano ancestral estruturado para processar tudo subjetivamente.
Desde as origens dos humanos nos adaptamos à vida sob os efeitos da gravidade terrestre que nos mantém no planeta, da temperatura ambiente, da atmosfera que nos permite respirar, a água e o carbono na biologia, etc. Se as condições no planeta fossem diferentes das que observamos agora, as teorias científicas seriam necessariamente modificadas para este Universo correlato, obedecendo às suas próprias leis da Físico-química, sobre as quais nada podemos saber, se não formos capazes de observar os seus efeitos com os nossos próprios sentidos ou com nossos instrumentos, ou mesmo inferir matematicamente sobre a sua existência.
A partir desta percepção humana ímpar no planeta em que vivemos, devemos estar atentos para o fato de que o nosso entendimento do mundo natural e do que acontece nele chega ao cérebro através do filtro dos nossos sentidos, para depois receber uma racionalização e interpretação emocional dos eventos vivenciados.
A consciência humana e outros processos mentais fazem que o ser humano seja o único ser vivente neste mundo (talvez em todo o Universo) a ser capaz de interpretar de várias maneiras a sua própria realidade aqui neste planeta, e ser capaz de imaginar também outras realidades possíveis além desta. Nenhum outro ser tem a consciência de existir e compartilhar a realidade com os outros seres humanos, animais e objetos, desde a menor partícula subatômica à maior galáxia de estrelas.
Esta consciência que temos em comum é como uma rede unindo toda a espécie humana, e ao mesmo tempo estamos separados dentro de cada indivíduo, porque tudo é subjetivamente personalizado.






  O pensamento abstrato sobrenatural e as religiões:

Como indivíduos em separado percebemos de maneiras diferentes o meio ambiente que vivemos, e o que acreditamos ser verdadeiro nos parece real. A visão subjetiva pessoal é individualizada e assim sendo ninguém pode comprovar nada sobre as diferentes religiões, pois elas são consideradas verdadeiras por seus seguidores e as suas divindades são reais para os que acreditam nelas, e ao mesmo tempo não são reais para os que não são crentes.

O ato de refletir sobre o significado da morte, sobre o que acontece após a morte do indivíduo e de organizar rituais para os vivos participarem de alguma forma no evento foi, no passado pré-histórico, a primeira experiência de religião compartilhada por todos os cérebros poderosos o suficiente para imaginar o que significa morte.
Universalmente, as tradições sobre o fim da vida nos asseguram em todas as culturas hoje ou no passado que a morte não é tão ruim como parece, e que o ente querido falecido continua de alguma outra forma a existir. Se guardamos e eventualmente olhamos para um retrato com imagens daqueles que já morreram estaremos recriando um ritual antiquíssimo: a vontade de ter alguma lembrança destas pessoas e de ter algum tipo de contato com eles; e se eles estão presentes em nosso pensamento, então podem também estar presentes em espírito e desta forma continuarem a existir após a morte.
As religiões nos oferecem um conforto para a certeza de que vamos morrer ao informar aos vivos sobre o destino dos mortos, porque assim teremos ânimo para continuar vivendo sem temer (muito) o momento fatal. Podemos explorar o medo da morte para nos consolar na vida. Os rituais de adoração, os símbolos sacros e a construção de templos são as tentativas de se conectar com a divindade de sua religião, e de alcançar alguma proximidade com o sagrado.
A questão da fé é uma das manifestações da herança cultural recebida e repassada por gerações, e os sistemas de crenças foram retransmitidos com grande sucesso, até que as grandes religiões assumissem um papel central na vida social humana e os seus conhecimentos religiosos fossem bem aceitos por todos, principalmente por que não havia conhecimentos de outros tipos disponíveis.
Desde incontáveis gerações os sistemas de crenças religiosas se firmaram cada vez mais porque foram utilizados para fins bem mais reais e concretos, como por exemplo:
Para insuflar forças nas guerras e consolar na dor,
Para acalmar a mente, reduzir o medo da morte, entre outros temores.
A fé religiosa, o conhecimento místico e a sabedoria espiritual são exemplos do exercício do pensamento abstrato que não estão relacionados com as ciências. Também são assim todas as criações abstratas provindas do poder da fértil imaginação humana, como por exemplo os relatos de outros mundos nunca visitados, mas certamente imaginados.
As religiões surgiram bem antes das primeiras teorias científicas serem elaboradas, e na ausência de enfoques alternativos elas proviam muitas das respostas a serem aceitas como verdadeiras, mais pelo puro exercício da fé e menos pela observação dos fatos ou experimentações práticas.
Não existindo as ciências na Antiguidade, ou estarem elas ainda incipientes, o tipo de pensamento abstrato de natureza mística espiritual foi predominante nas sociedades humanas, até o surgimento do método cientifico racional com os seus experimentos, teorização e argumentação (e com um grande conflito histórico).
Há pouco mais de um século que as Ciências trabalham juntas no empreendimento de trazer tudo o que sabemos sobre os fenômenos observáveis e juntar os pedaços do quebra-cabeça utilizando o pensamento sistemático para construir um modelo para previsões sore o Universo, com todas as associações possíveis entre as peças do quebra-cabeça.
Pela primeira vez na história da Humanidade, a Física, a Química, a Biologia, a Matemática podem começar a responder perguntas sobre Cosmologia, sobre o início dos tempos e o fim do Universo, a origem da vida e o futuro do Homem, com base em dados observados através de instrumentos, modelos e teorias científicas. O conhecimento científico unificado é uma tentativa de explicação dos fatos elaborada sobre a observação dos efeitos e suas causas, e a leis que os regem.
Estas questões foram contempladas por séculos somente pela religião e foram muito influenciadas pelo misticismo até que as ciências chegaram aos conceitos modernos que conhecemos. Ao responder às perguntas sobre os fenômenos naturais, os modelos teóricos científicos oferecem explicações baseadas somente em fatos e processos observados na própria natureza e nunca fora dela, porque senão neste momento saímos do escopo da ciência e passamos para uma crença no sobrenatural, que é um modo alternativo de tentativa de obtenção de respostas sem a preocupação de estudar experimentos e demonstrações práticas de resultados empíricos.
O raciocínio científico funciona de forma clara e rigorosamente dentro dos padrões objetivamente assinalados para a observação dos fenômenos estudados, enquanto que o conhecimento espiritual é resultante da exegese religiosa e, em ocasiões, de uma revelação mística pessoal.
Quantas interpretações sobre os livros sagrados existem? Um número infinito, talvez, uma para cada ser humano, e a subjetividade do próprio individuo o influenciará sobre o que ele imagina ser Deus.   
O conhecimento místico não se parece com as conclusões do raciocínio cientifico, mas não deve ser totalmente recusado por causa disso. Trata-se de outro aspecto do pensamento abstrato, outro modo de abordagem e visão das coisas e, sendo assim, não existem entre eles contrapontos nem princípios divergentes, não entram em conflito entre si, não se excluem mutuamente e não se contradizem.
É preciso entender, porém, que a metodologia cientifica é um sistema aberto de acesso ao conhecimento, estando disponível ao público em geral, tendo como requisitos unicamente o aprendizado das ciências e a organização de dados sobre os fenômenos estudados.
Em contraste, o conhecimento místico é um acesso individual seletivo e exclusivo, e seu estudo possui diversos caminhos, cada qual conduzindo para o seu próprio distinto processo de aprendizagem mística.
Estes conhecimentos conflitam com os resultados tecnológicos dos registros das ciências modernas? De modo algum eles se parecem, porque oferecerem posições diferentes para as mesmas grandes perguntas.
A Ciência está procurando descobrir tudo sobre o universo em que vivemos. Por sua vez, a Religião, a partir do seu ponto de vista, já sabe a verdade, e expõe a visão não do que as coisas são, mas do que as coisas deveriam ser.
Na visão religiosa, existem verdades inquestionáveis. Para as ciências, todas as verdades devem ser investigadas e são provisórias, até o dia que outra verdade mais correta a substitua.
A fé religiosa pura e simples, como aceitar, por exemplo, as escrituras sagradas como verdades que não são passíveis de verificação com os métodos científicos, é um pensamento que requer somente um investimento de fé pessoal.
A fé e a mística parecem se unir e estabelecer campos opostos aos da ciência, mas a aplicação do intelecto racional em absolutamente todas as questões em todos os momentos nos privaria das ideias imaginativas livres, que não precisam de fundamentação racional ou científica. A situação subjetiva de cada um de nós é muito útil para ajudar-nos a interpretar os resultados objetivos das ciências, mas necessita ser corroborada pelos outros indivíduos e ser consistente com os resultados dos experimentos científicos. 

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